Direitos humanos: por que está cada vez mais difícil abordar esse assunto? Superando concepções do senso comum

Direitos humanos: por que está cada vez mais difícil abordar esse assunto? Superando concepções do senso comum

Olá!

Investigaremos neste post o que significa a perspectiva dos direitos humanos no interior dos marcos históricos mundiais. Também iremos compreender e superar os mitos que envolvem o estabelecimento da perspectiva dos direitos humanos no Brasil e no mundo.

No dia-a-dia de nossas ações, sejam elas pessoais ou profissionais, é comum ouvirmos falar sobre a conquista, a existência ou a legitimidade dos direitos humanos. Esta práxis cotidiana, como chamou Vázquez (2011), ou os conhecimentos que compartilhamos de modo intuitivo, geralmente, guardam alguma conexão com a chamada práxis científica, ou seja, aqueles conhecimentos gestados no interior de uma reflexão teoricamente e experimentalmente sistematizada. Acontece que, muitas vezes, esta conexão está equivocada ou distorcida.

Como já nos alertara Saviani (2005), a reflexão não é atributo de qualquer pensamento. O pensamento que reflete, necessariamente fundamenta-se em princípios filosóficos, pois exige de si mesmo radicalidade, rigor e globalidade. E o que isto significa? Ser radical significa assumir que qualquer análise deve ir às raízes dos fenômenos que investiga, pautar-se no rigor diz respeito ao exercício da criticidade, da postura que confronta as informações do senso comum com o conteúdo científico e, finalmente, adotar a globalidade como critério significa nunca ceder a uma análise parcial, considerando todas as perspectivas, quantas sejam possíveis, no estudo do objeto que nos interessa.

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Por isso, este texto nos convida a refletir sobre a perspectiva dos direitos humanos, tão cara à Educação e à sua função de promover o desenvolvimento humano, resgatando-a das perspectivas comuns, buscando investigar seus sentidos mais profundos para, assim, entendermos suas íntimas relações com a ética que devemos praticar.

José Damião de Lima Trindade, no seu livro ‘A história dos direitos humanos’, nos conta que, ao escrever sua biografia – Mein Kampf – Adolf Hitler usou a seguinte frase:

“Não pode haver autoridade pública que se justifique pelo simples fato de ser autoridade, pois, nesse caso, toda tirania neste mundo seria inatacável e sagrada. Como os homens, primeiro, criam as leis, pensam, depois, que estas estão acima dos direitos humanos.” (TRINDADE, 2002, p. 13).

Ao ler esta passagem, entendemos porque Hobsbawm pediu que não abandonássemos a História. Conhecendo a realidade do holocausto e o seu impacto devastador para a humanidade, estas palavras de Hitler exigem que façamos uma reflexão. O que são os direitos humanos? Como surgiram e para que servem?

A gênese da ideia de direitos humanos, bem como da declaração que a materializou, está assentada no berço do Iluminismo. Os revolucionários franceses que propagaram os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade foram os seus precursores. Do mesmo modo, se reconhecemos minimamente a organização da classe burguesa como um dos produtos da Revolução Francesa, entendemos que, a exemplo de Hitler, em diversas partes do mundo o opressor entoa versos de liberdade e direitos do próximo exatamente antes de praticar atrocidades, opressões e abusos. Mas se compreendemos o uso, no mínimo, contraditório que historicamente se faz dos direitos humanos, isto não justifica que os descartemos ou que os deturpemos, associando-os ao que o senso comum, prestando serviço para a ideologia dominante, chama de ‘direitos que protegem bandidos’ (TRINDADE, 2002).

Se voltamos ao marco da Revolução Francesa, guiados pelo pensamento reflexivo, entendemos que se o seu saldo produziu a burguesia, o motivo do seu combate envolvia a luta contra a opressão e exploração disseminada pelo feudalismo e os senhores das terras. E o que esta análise radical revela? Ela demonstra, claramente, que a perspectiva dos direitos humanos está completamente relacionada à perspectiva de classes. Ela não é natural, espontânea ou inata (TRINDADE, 2002).

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Esta dicotomização, transformada, mas perene, desde a superação do feudalismo, avançou e, inclusive, transformou-se no mote das guerras mundiais que arrebataram o início do novo século (1914-1918). Então, no ano de 1917, a chamada Revolução Socialista, iniciada por um levante operário em Moscou, reconfigurou a batalha, agora entre burgueses e trabalhadores. A perspectiva de se construir uma nova sociedade pautada nos ideais socialistas, desta vez, colocava o homem real na centralidade do processo revolucionário. Diferentemente dos ideais individualistas do homem abstrato produzidos pela Revolução Francesa, a Revolução Russa elaborou a ‘Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado’. A Declaração Russa anunciou o que não se que queria ouvir: a sociedade está dividida em classes com interesses conflitantes.

Mas, deste terreno profícuo, somada à devastação em que se encontrava a Rússia, emerge Stalin e, conforme explica Trindade (2002), aquele que poderia ter sido a distorção de um processo, tornou-se um processo de distorções. Neste cenário, a burguesia alemã se organizava, exigindo ‘vingança nacional, captura de “espaço vital” para a Alemanha e unidade germânica contra raças “inferiores” e osbolchevistas’ (p. 55). A segunda grande guerra se anunciava e muitas variantes de movimentos fascistas espalharam-se pela Europa, praticando políticas racistas, xenófobas e imperialistas. Este período resultou, com uma brutalidade impensada, na maior crise sofrida pelos Direitos Humanos. Não que eles tivessem sido respeitados ao longo da história, mas agora anunciava-se que pessoas ‘inferiores’ não careciam de direito algum.

Terminada a guerra, mas não suas consequências, cria-se a Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de juntar esforços para recuperar e reconstruir a destruição massiva e avassaladora que havia sido produzida. Certamente que esta função e a sua garantia também são questionáveis do ponto de vista da mesma reflexão que tem nos orientado a perguntar: a que serve e para quem serve? De todo modo, foi a ONU quem impôs à comunidade internacional o resgate dos Direitos Humanos, que culminou na elaboração da ‘Declaração Internacional dos Direitos do Homem’ em 10 de dezembro de 1948. Esta declaração foi reiterada em Viena, no ano de 1993, com o apoio do Brasil.

O lastro desta memória indica a necessidade de superarmos as apropriações ingênuas acerca do que significa a organização dos Direitos Humanos. Por isso, as postagens que se seguem devem retomar o impacto desta história na organização política do Brasil e, inclusive, recuperar o papel da perspectiva dos Direitos Humanos no interior de temas atuais que envolvem a nossa prática educativa. Em síntese, vale ressaltar que a compreensão dos Direitos Humanos se relaciona à teoria que propagamos como explicação da realidade que vivemos e, portanto, das práticas que perpetramos sob sua égide. Nossa ação profissional é, pois, o encontro da práxis cotidiana com a práxis científica e, assim, revelamos o que somos e o que queremos do mundo.

 


Referências

SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. Campinas: Autores Associados, 2005.

TRINDADE, J. D. L. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002.

VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.