Vamos analisar aqui como as concepções teóricas podem se desdobrar em ações no interior das práticas educativas.
Para discussões que nos propusemos a fazer, elegemos apresentar uma análise desenvolvida por Marcolino (2015) sobre a brincadeira infantil. Acreditamos que a proposta apresentada pela autora aponta para caminhos potentes na construção de práticas pedagógicas pautadas na promoção do desenvolvimento humano e, portanto, articuladas com as questões éticas que aqui estamos discutindo.
Em outras oportunidades, realizamos uma leitura crítica da chamada “cultura de paz”. A base de nossa argumentação assenta-se na ideia de que as ações que se desdobram dessa proposta ancoram-se em uma análise teórica bastante superficial do problema relativo às relações violentas no interior das escolas.
Com a apresentação do trabalho de Marcolino (2015), acreditamos lançar bases para uma análise que evidencia o quanto a constituição de dinâmicas violentas nas relações escolares passa, por muitas vezes, despercebida pelos profissionais da Educação, seja por estarem naturalizados, seja porque o repertório teórico do qual dispõem não os capacitam para analisar esse problema em todas as suas dimensões. Diante disso, reforça-se a necessidade de que nos apropriemos de uma teoria que medeie de forma crítica nossas análises sobre os fenômenos constituídos no contexto escolar e que orientem de forma efetiva a prática docente.
O objetivo do trabalho desenvolvido por Marcolino (2015) foi discutir os temas das brincadeiras de papéis sociais desenvolvidos pelas crianças no contexto da Educação Infantil. A base teórica que respaldou as elaborações construídas na pesquisa foi a Psicologia Histórico-Cultural, tomando como referencial principal o trabalho proposto por Elkonin (psicólogo russo que trabalhou junto com Vigotski, Luria, Leontiev, Davidov, entre outros).
Para alcançar seu objetivo, a autora realizou observações de situações de brincadeira entre crianças de quatro anos e meio a cinco anos e meio em 11 escolas da rede municipal de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. A partir do registro das observações, foram identificadas 27 cenas de brincadeira de papéis. Feita essa organização das cenas a autora passou a realizar uma análise sobre os temas que foram apresentados nas brincadeiras das crianças.
“2xSamara.com/shutterstock.com”
Um importante direcionamento teórico utilizado pela autora para analisar a questão dos temas das brincadeiras de papéis relaciona-se a ideia de que nas brincadeiras “as crianças referem-se (…) às relações sociais e às atividades humanas que conhecem (…). A motivação da criança para criar situações imaginárias para interpretar papéis relaciona-se com o momento de seu desenvolvimento” (Marcolino, 2015, p. 459).
Feita essa importante consideração, é preciso dizer que a autora discute os temas identificados nas brincadeiras sob diversos aspectos. Dados os objetivos, iremos apresentar algumas discussões relativas às brincadeiras de papéis sociais que possuem como tema a questão da violência.
Marcolino (2015) chama a atenção para o fato de que as professoras proibiram brincadeiras cujo tema sugere a violência, como é o caso de brincadeiras em que as crianças simulavam atirar nos companheiros. A primeira análise que a autora propõe vai ao encontro do que já discutimos, principalmente na aula em que analisamos a “cultura da paz”, que diz respeito ao fato de que a escola busca ao máximo deixar no lado de fora questões sociais complexas, como é o caso da violência, ainda que isso faça parte da vida das crianças. Ou seja, vemos claramente um movimento por parte dos profissionais da escola de evitarem abordar tais questões.
Outro aspecto importante de ser destacado diz respeito ao fato de que, em alguns momentos, o tema da brincadeira não estava relacionado com a violência, mas o conteúdo sim. Nessas situações, a intervenção do professor não se fazia evidente no sentido de impedir a brincadeira. Disso decorre nossa defesa de que seja importante nos atentarmos mais aos conteúdos das brincadeiras infantis do que seus temas ou formas. E, principalmente, o quanto a violência pode se objetivar de formas não tão explícitas, mas impactantes no desenvolvimento das crianças.
Desta forma, concluímos que a consideração da dinâmica “forma e conteúdo” é imprescindível para que possamos organizar intencionalmente um ensino que seja promotor do desenvolvimento humano. Saviani (2009) aponta como essencial para o trabalho pedagógico explicitarmos os processos didático-pedagógicos (formas) por meio dos quais os conteúdos se tornam assimiláveis pelos alunos no trabalho de ensino-aprendizagem. Ou seja, a questão “forma e conteúdo” precisa ser fonte da atenção dos professores em seu processo de organização e planejamento do ensino.
Nesse momento, já podemos nos encaminhar para as discussões finais de nossa disciplina. É importante destacar que as reflexões sobre os direcionamentos práticos que fizemos nas duas últimas aulas esclarecem que nossa concepção ética não se reduz a um conjunto de regras fixas que poderia regular o comportamento dos profissionais da Educação. Como temos dito em nossas aulas, ética na Educação, nessa perspectiva, refere-se, antes de mais nada, à uma prática reflexiva sobre as questões que atravessam as relações escolares. Ou seja, a ética que defendemos configura-se como uma ética que nos convida a refletir sobre liberdade, ação e resultado.
Para concluir, apresentaremos a concepção de ética defendida por Delari Júnior (2013), com a qual coadunamos:
É importante retomar que “princípios éticos” não são normas de regulação da conduta para garantir a ação moral correta. Mas sim recursos conceituais que permitem avaliar criticamente as nossas ações morais efetivas e potenciais (p. 58).
Referências
DELARI JUNIOR, A. Princípios éticos em Vigotski: perspectivas para a psicologia e a educação. Nuances: estudos sobre Educação. v. 24. n. 1. 2013.
MARCOLINO, S. & MELLO, S. A. Temas das Brincadeiras de Papéis na Educação Infantil. Psicol. cienc. prof. [online]. v.35, n.2. 2015.
SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. v. 14. n. 40. 2009.